Os anos 20 na moda e sua relação com o presente

20.04.22 | Moda moda pra pensar Tendências


 

Estamos percebendo um movimento crescente na moda, talvez com maior evidência desde a última temporada de alta-costura e confirmado pelas referências de diversos nomes que se apresentaram no circuito fall 2022. O retorno da estética da década de 20 se caracteriza por elementos que todos já conhecem: plumas, cintura rebaixada, saias curtas, vestidos ricamente bordados, alfaiataria de inspiração masculina, olhos marcados por cores profundas etc. Mas essa narrativa vai muito além da roupa, assim como quase tudo que acontece na moda.

 

 

Se analisarmos o cenário da sociedade ocidental na década de 20, em especial nas grandes cidades, como Paris, Berlim, Londres, Rio de Janeiro e São Paulo, poderemos notar diversas semelhanças com o que estamos vivendo agora. Os anos 20, ou Os Loucos Anos 20 como muitos preferem chamar, foi um período de grande efervescência criativa, com o surgimento de importantes movimentos de vanguarda artística, ascensão do teatro e sobretudo do cinema, vida noturna regada a jazz e bebidas alcoólicas (a despeito da Lei Seca), forte influência literária e demais dinâmicas culturais, além da emancipação feminina sob diversos aspectos. Mulheres conhecidas como modernistas que vinham da elite intelectual europeia e dos filmes hollywoodianos influenciaram fortemente o comportamento feminino na época. Elas ganhavam mais espaço na sociedade através do voto e da entrada no mercado de trabalho, começaram a frequentar festas e bares, obtiveram maior poder de escolha e desfrutaram da liberdade sexual. Na moda, o corpo feminino também deixou de sofrer as limitações impostas pelos espartilhos e infinitas camadas de peças vindas do estilo do começo do Séc. XX. As barras encurtaram – assim como os cabelos – a modéstia deu lugar a bordados e pedrarias ostentosos, o armário masculino passou a ser uma possibilidade real de vestimenta e a dramaticidade tirada da mente fértil dos vanguardistas serviu de base para o surgimento de figuras icônicas também por sua imagem, como a escritora Nancy Cunard, as dançarinas Anita Berber e Valeska Gert, a fotógrafa Claude Cahun dentre tantas outras que desafiavam os padrões conservadores do início do século e influenciavam ativamente as mulheres mais progressistas da época.

 


 

 

Essa mudança significativa no cenário social e cultural da década de 20 se deu em função especialmente do renascimento democrático e econômico após a erradicação da gripe espanhola que assolou o mundo por pouco mais de dois anos com uma estimativa de mortes na casa dos 50 milhões e o fim da Primeira Guerra Mundial. Com uma sociedade mais pacífica e o poder aquisitivo prosperando, as pessoas se voltaram para o lazer e para as artes, sendo este um dos períodos mais ricos e importantes em termos de contribuição cultural para a humanidade. Alguma semelhança com o hoje? Após um longo período de pandemia com o consequente isolamento social a vida noturna, movimentos criativos e as despesas nomeadas como “consumo de vingança” em razão do tempo que permanecemos confinados se consagraram como uma dinâmica contemporânea de respostas aos desafios impostos pela COVID-19. As experiências sociais que foram possíveis anos 20 devido ao pós-guerra e ao pós-pandemia e também pela modernização e democratização dos meios de interação humana (carros, rádio, cinema) e que culminaram com o surgimento e a expansão de novas formas de expressão (tanto no campo artístico, como no pessoal, sobretudo em se tratando das mulheres), têm grande potencial de se repetirem devido às paridades com as circunstâncias atuais. Isso, inclusive, foi objeto de pesquisa do professor da Universidade de Yale Nicholas Christakis, que compara o panorama dos dois períodos e afirma que há grande possibilidade de se reviver os loucos anos 20 a partir de 2024. Diz o professor que “em períodos de pandemia, as pessoas tipicamente se voltam mais para a religião, poupam dinheiro, são tomadas pela aversão ao risco, têm menos interações sociais e ficam mais em casa. Mas na pós-pandemia, tudo isso ficará para trás, como aconteceu com os loucos anos 20 do século passado. As pessoas inexoravelmente vão buscar mais interação social. Vão a casas noturnas, restaurantes, manifestações políticas, eventos esportivos. A religiosidade vai diminuir, haverá uma tolerância maior ao risco e as pessoas gastarão o que não puderam gastar. Depois da pandemia, pode vir uma época de libertinagem sexual e gastança desenfreada. Se você olhar para o que aconteceu nos últimos 2 mil anos, quando as pandemias acabam, há uma festa. É provável que vejamos algo parecido no século 21” (fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-55670066).

 


 

A moda, obviamente, acompanha essa revisitação histórica, já que ela foi um dos principais pilares para que essas mudanças na sociedade da época ocorressem. A estética dos anos loucos aparece adaptada ao nosso tempo, mas ainda com forte inspiração no período.

Moda pra pensar: o que está por trás do combo calça + regata branca

25.03.22 | Moda moda pra pensar Semanas de Moda


 

Sempre que assistimos aos desfiles de uma semana de moda esperamos encontrar algo novo. Seja pela reedição de movimentos passados, seja pela experimentação, fato é que ansiamos por uma representação visual que fuja da trivialidade do ato de vestir para o dia a dia. Mas a verdade é que a moda, muito mais do que oferecer a vanguarda, também é uma maneira de interpretação do presente e embora o conceitual tenha feito parte de algumas apresentações uma mistura considerada óbvia deu as caras em alguns desfiles importantes, o que nos fez pensar sobre a razão de ela estar ali. Estamos falando do combo mais básico, democrático e seguro de todos: calça + regata branca. Ver uma composição destas abrir um desfile de peso como ocorreu com na Bottega Veneta nos intrigou e nos instigou a colocar a cabeça pra funcionar, afinal, nada na moda é por acaso.

 


 

Então absorvemos o que está acontecendo hoje. Temos acesso a todo tipo de informação e de uma forma muito veloz. Basta uma simples passeada pelo feed do Instagram para sabermos das últimas novidades direcionadas para todo tipo de assunto. De design à política, passando pelos benefícios de velas aromáticas até as últimas informações sobre a guerra (seja aquela feita pelos homens, seja contra os microrganismos). Consumindo cada vez mais conteúdo, temos também as ferramentas que permitem que essa absorção seja cada vez mais dinâmica. O clique ao alcance, os áudios com velocidade dobrada, corretores de celulares com frases prontas e toda sorte de recursos que disponibilizem o acesso rápido à informação demonstram que estamos vivendo o presente com a urgência de se ter tudo à mão. E este é um look que manifesta essa urgência. Simples, de fácil acesso, inclusiva e versátil, esta é uma composição que pode ser feita às pressas já que não demanda muita ponderação. Afinal, se já temos nossos pensamentos voltados quase que inteiramente para o bombardeio diário de informações diversas que ocupam grande parte da nossa mente e do nosso raciocínio, não deveríamos nos submeter a mais uma preocupação, no caso, o ato de vestir. Além da representação desse estilo de vida baseado na urgência e na catalogação de prioridades, uma base como esta gera possibilidades amplas da criação de novos looks com pequenas mudanças, especialmente no inverno quando os itens de complementação são indispensáveis para o conforto térmico.

 

 


 

E isso é bom ou ruim? Depende. Se essa representação estética significa menos consumo (como mencionamos, é uma base democrática que amplia as possibilidades de complementação e novas manifestações visuais), menos estresse (já que é uma coisa a menos para se preocupar no dia) e uma moda mais acessível (é uma combinação que está ao alcance de todos), podemos considerar que é um movimento bom. Entretanto, se ele existe somente em função de enaltecer esse estilo de vida baseado na pressa e de nos tornar neutros frente essa descarga desenfreada de conteúdo diário (nem sempre de qualidade) o impacto é outro.

 

 

De qualquer forma é uma combinação que representa nosso atual momento, de outras prioridades, de outras urgências, de outros conflitos e essa combinação nada mais é do que uma prioridade, uma urgência e um conflito a menos em nossas vidas.