MODA PARA PENSAR – o papel das roupas como conhecemos está com os dias contados?

12.04.23 | Moda moda pra pensar


 

Contextos visuais que representam um clima de insegurança são representados na moda a todo momento. Vimos a ascensão de uma estética nômade pré-pandemia, roupas que estimulam a criatividade através do movimento de design de urgência, produção de looks compostos por diversas peças diferentes e de pegada vintage que acenam para o consumo mais sustentável, um movimento que remete aos diversos modos de sobrevivência, o conforto extremo desejado em função do isolamento, estéticas que nos trazem uma atmosfera apocalíptica, crescimento de referências alienígenas etc. Todas essas narrativas podem nos levar a pensar em roupas para enfrentamento de uma nova realidade não tão otimista, mas e se o caminho for justamente o contrário? E se essas roupas, na verdade, estão nos indicando um novo período de isolamento, dessa vez, voluntário? Vimos nos mais recentes desfiles da temporada fall 23 esse contexto do visual caótico elevado a outros patamares. São peças de aspecto inacabado extremo, aparência bastante rústica, intervenções brutas, impressão de pouca ou nenhuma limpeza, de itens que realmente foram usados por muito tempo. Com o atual cenário mundial, o sentimento que essa manifestação visual nos passa é que essas roupas não simbolizam uma agenda de sustentabilidade, ou um estímulo à sobrevivência, ou um exercício da criatividade em prol de um estilo pessoal único, mas sim de um novo período de isolamento social onde, na verdade, o que se veste pouco importa. Nesse cenário, nossas roupas poderiam ficar sujas, rasgadas e extremamente usadas já que seu papel estético não faria mais sentido.

 




 

Obviamente esse é um panorama extremo de um tipo alternativo de caos apocalíptico e a moda pode interpretar isso de uma maneira extravagante para contextualizar uma sociedade que escolhe não sair de casa e escolhe não olhar suas roupas com o mesmo cuidado de antes, mas se analisarmos friamente nossa situação atual veremos que essa é uma ideia que não está assim tão distante. São muitos os fatores que poderiam fazer com que essa realidade alternativa se tornasse presente:

– Estímulos que fazem o usuário passar cada vez mais tempo em ambientes virtuais – metaverso, jogos, redes sociais, apostas, interações com programas de inteligência artificial etc;
– crescimento do trabalho remoto;
– escalonamento de comportamentos violentos que deixam de ocorrer apenas em grandes centros urbanos;
– aumento de preços de produtos e serviços de um modo geral com a consequente diminuição da capacidade de consumo;
– ameaças constantes de crimes de grande escala;
– polarização política extremada, que acalora discussões e extingue relações;
– aumento da insegurança financeira promovida por uma crescente crise econômica global.
Estes são alguns fatores que poderiam concretizar um novo isolamento social em massa, que traria, em tese, as consequências visuais que foram representadas em diversos desfiles desta última temporada de moda. Afinal, quando as experiências e interações se resumem a um único ambiente, qual é o real papel do que se veste?

 

 

É claro que a forma como percebemos a moda é subjetiva e isso não é um aviso sobre uma nova maneira do fim do mundo ocorrer, mas essa narrativa estética sempre nos coloca em um lugar de desconforto para pensarmos onde estamos como sociedade. A arte serve para estimular essa inquietude. Nessa interpretação especificadamente, o papel da moda é muito mais sobre nos fazer entender o ambiente a nossa volta para analisarmos os caminhos que estamos tomando enquanto seres coletivos, do que um alerta sobre um futuro pouco otimista promovido por toda sorte de calamidades. Roupas sempre comunicarão alguma coisa, mesmo que não pretendam comunicar nada. Se a roupa pouco importa em um cenário como o retratado aqui, sua mensagem ainda é importante. O que são as roupas quando estamos longe dos olhos e do julgamento do restante do mundo? O que é o belo quando as prioridades são outras? Se minha performance virtual é muito mais presente do que a física, a estética ainda importa?

SILKY WAY – materiais refletivos são explorados para atender a todos os estilos

05.04.23 | Moda Tendências


 

Materiais naturalmente refletivos, como a seda e o cetim, são utilizados em configurações diversas nesta temporada para atender a todos os gostos. Pijamas e camisolas que são bastante associados a este tipo de tecido certamente serviram de inspiração para muitas marcas, que se valeram de referências quase literais para reproduzir o night wear e trazê-lo para o dia a dia com toda a delicadeza e feminilidade ligada a essas peças. Mas para atender a uma gama de diferentes preferências, a matéria-prima também foi modernizada ao ser combinada com peças mais densas, como sobretudos e botas com características urbanas, aplicada em cores vibrantes e combinada com outros itens mais invernais e pesados, como o tricô. Conjuntos inteiros confeccionados em seda ou cetim se tornam uma alternativa mais suave a já tradicional alfaiataria e trazem os ternos para um lugar de maior conforto e suavidade. Veja como as coleções da temporada fall 23 interpretaram o uso dessa matéria-prima tão delicada e que será uma das principais texturas do próximo inverno.

 

a cor da temporada FALL 23

03.04.23 | Moda Semanas de Moda Tendências


 

Sempre que uma temporada de moda acaba nós começamos a dissecar todas as camadas que envolvem o mapeamento de tendências e é claro que uma importante fração desse trabalho está na análise das principais cores utilizadas. A paleta, afinal é um dos principais nortes da atmosfera de uma coleção e deve ser pensada para além do show, já que as cores podem ser um fator determinante para o sucesso comercial daquelas criações. Nesta temporada observamos uma presença forte dos terrosos, do bubble gun pink , do vermelho, do lima e dos sempre importantes preto e branco, mas um tom em especial ganhou um verdadeiro protagonismo nas apresentações: o cinza. A presença do cinza em uma temporada repleta de coleções que se voltaram para o mood da atemporalidade, da elegância clássica e da criação sem muitos vieses escapistas é natural até pela impressão de neutralidade que a cor emite e que se harmoniza com as principais narrativas que observamos nessas apresentações.

 

 

Mas muito mais do que reafirmar a sofisticação e o eterno, o cinza teve outro papel importante: o de equilibrar a excentricidade de designs experimentais. Vimos a cor ser aplicada (dos pés à cabeça) tanto em conjuntos clássicos de alfaiataria como em peças mais conceituais e também nos stylings mais alternativos e elaborados, trabalhados em camadas complexas, texturas distintas e proporções opostas. O cinza carrega esse histórico de tradicionalismo e muitas vezes leva fama de ser sem-graça. Mas o seu aparecimento repetido nas passarelas indica que mesmo as estéticas mais extravagantes tendem a ser neutralizadas e adaptadas para o principal movimento que vimos nessa temporada, que é o de se voltar para o eterno, para as roupas que nos trazem a sensação de familiaridade, que nos levam para um lugar de segurança. E qual o tom (além do preto e do branco, obviamente) que cumpre de maneira eficaz o papel de reafirmar esses códigos visuais “pé-no-chão”?