MFW fall 24 trend report
14.03.24 | Semanas de Moda Tendências
A semana de moda de Milão nos mostrou narrativas alinhadas com o mood da fashion week nova-iorquina. Visuais delicados, um resgate dos códigos românticos clássicos, cores opacas, feminilidade ao extremo. Essa temporada tem nos mostrado uma atmosfera suave, porém não muito conservadora. Temos ainda um forte apelo sensual, especialmente pelo uso da transparência, dos recortes e decotes mais acentuados e principalmente pelo styling que enaltece shorts extremamente curtos, hot pants e até calcinhas como parte da composição principal do look. Mesmo que haja essa nuance sensual, a feminilidade não é deixada de lado e aparece como um dos principais movimentos estéticos desta temporada spring 24.
Talvez o toque mais urbano encontrado nos movimentos de milão seja esse, embora ainda carregado de delicadeza. O couro, material robusto geralmente associado às estações mais frias, aqui é trabalhado com movimento e comprimentos diminutos a fim de se encaixar nas temperaturas mais elevadas. Shorts, saias e vestidos feitos no material deixam a pele à mostra e permitem a liberdade do corpo por serem trabalhados de maneira maleável.
Neste movimento o romantismo se mostra de maneira mais dark. Com a profusão de rosas e a estética do Barbiecore sendo usada à exaustão, esse visual se mostra contrário a tanta doçura, embora ainda promova toques de romantismo. Se a Barbie tivesse uma versão gótica, esse seria seu visual.
As franjas ganham altas doses de sofisticação e modernidade nessa temporada e deixam de ser usadas como mero detalhes para se tornarem um ponto focal importante do visual. Em materiais mais densos como o couro e pesados e marcantes como as metalizadas, elas vêm em blusas e vestidos completos trazendo ao mesmo tempo movimento, delicadeza e complexidade ao look.
Shots muito curtos, hot pants e calcinhas passam a ser mostrados sem qualquer sombra de modéstia. Se com o retorno da estética dos anos 2000 os fios das calcinhas passaram a ser mostrados sob calças de cintura baixa, agora as peças deixam de ser apenas sugeridas e passam a fazer parte da composição principal do visual, aparecendo sob peças transparentes ou mesmo usadas como shorts.
Das cores mais suaves que aparecem em quase todas as coleções desfiladas em Milão, o azul-bebê certamente é uma das principais dessa paleta delicada. Vimos a cor ser bastante usada na semana de moda de Copenhagen e agora ela se consagra em Milão nos mostrando uma possível tendência forte para o verão 2024/25.
Movimentos que trazem elementos esportivos e peças funcionais são atualizados para uma forma mais moderna, pautada no minimalismo sofisticado e em looks estruturados
Tivemos em Milão uma semana de moda muito eclética, com movimentos que atendem a uma grande variedade de demandas. Ao mesmo tempo em que a sensualidade é uma linguagem ainda presente, temos dinâmicas estéticas opostas pautadas por volumes e modelagens relaxados, referências visuais cinquentistas e indicações lúdicas de um retorno à infância. Texturas marcantes e um tributo às roupas pensadas para a realidade fecham o reporte dos movimentos de moda de Milão desta temporada spring 23.
Sempre que assistimos aos desfiles de uma semana de moda esperamos encontrar algo novo. Seja pela reedição de movimentos passados, seja pela experimentação, fato é que ansiamos por uma representação visual que fuja da trivialidade do ato de vestir para o dia a dia. Mas a verdade é que a moda, muito mais do que oferecer a vanguarda, também é uma maneira de interpretação do presente e embora o conceitual tenha feito parte de algumas apresentações uma mistura considerada óbvia deu as caras em alguns desfiles importantes, o que nos fez pensar sobre a razão de ela estar ali. Estamos falando do combo mais básico, democrático e seguro de todos: calça + regata branca. Ver uma composição destas abrir um desfile de peso como ocorreu com na Bottega Veneta nos intrigou e nos instigou a colocar a cabeça pra funcionar, afinal, nada na moda é por acaso.
Então absorvemos o que está acontecendo hoje. Temos acesso a todo tipo de informação e de uma forma muito veloz. Basta uma simples passeada pelo feed do Instagram para sabermos das últimas novidades direcionadas para todo tipo de assunto. De design à política, passando pelos benefícios de velas aromáticas até as últimas informações sobre a guerra (seja aquela feita pelos homens, seja contra os microrganismos). Consumindo cada vez mais conteúdo, temos também as ferramentas que permitem que essa absorção seja cada vez mais dinâmica. O clique ao alcance, os áudios com velocidade dobrada, corretores de celulares com frases prontas e toda sorte de recursos que disponibilizem o acesso rápido à informação demonstram que estamos vivendo o presente com a urgência de se ter tudo à mão. E este é um look que manifesta essa urgência. Simples, de fácil acesso, inclusiva e versátil, esta é uma composição que pode ser feita às pressas já que não demanda muita ponderação. Afinal, se já temos nossos pensamentos voltados quase que inteiramente para o bombardeio diário de informações diversas que ocupam grande parte da nossa mente e do nosso raciocínio, não deveríamos nos submeter a mais uma preocupação, no caso, o ato de vestir. Além da representação desse estilo de vida baseado na urgência e na catalogação de prioridades, uma base como esta gera possibilidades amplas da criação de novos looks com pequenas mudanças, especialmente no inverno quando os itens de complementação são indispensáveis para o conforto térmico.
E isso é bom ou ruim? Depende. Se essa representação estética significa menos consumo (como mencionamos, é uma base democrática que amplia as possibilidades de complementação e novas manifestações visuais), menos estresse (já que é uma coisa a menos para se preocupar no dia) e uma moda mais acessível (é uma combinação que está ao alcance de todos), podemos considerar que é um movimento bom. Entretanto, se ele existe somente em função de enaltecer esse estilo de vida baseado na pressa e de nos tornar neutros frente essa descarga desenfreada de conteúdo diário (nem sempre de qualidade) o impacto é outro.
De qualquer forma é uma combinação que representa nosso atual momento, de outras prioridades, de outras urgências, de outros conflitos e essa combinação nada mais é do que uma prioridade, uma urgência e um conflito a menos em nossas vidas.
O visual efusivo e as singularidades comunicadas através da imagem continuam sendo algumas das principais formas de manifestações de estilo no street style de Milão, assim como ocorreu em NY e Londres. Aqui o diferencial fica por conta do uso de peças tradicionais que ganham novos contextos por meio dos olhares criativos dos frequentadores da fashion week. Itens tidos como clássicos – alfaiataria, jaquetas, casacos e calças de couro, trench coats, saias de comprimento mídi, jeans de corte reto, sobretudos neutros, casaquetos de tweed etc. – adquirem um aspecto muito mais moderno através da adição de peças de design dramático, cores vibrantes, truques de styling inusitados, acessórios robustos e extravagantes, itens utilitários de atmosfera urbana, dimensões ampliadas e texturas marcantes. Aqui é a junção entre dois universos completamente distintos, mas que se complementam para a construção de um enredo visual equilibrado em referências e desapegado em termos de códigos estéticos ultrapassados, que ilustra o street style de Milão.
Sempre quando tratamos dos desfiles que acontecem em Milão, de maneira geral duas estéticas vêm à nossa mente: a linha exuberante e cheia de ostentação de nomes como Versace, Roberto Cavalli e Dolce & Gabbana e o repertório mais sóbrio e focado na excelência do handmade italiano difundido por marcas como Max Mara, Giorgio Armani e Salvatore Ferragamo. Mas o que parece ter ocorrido nessa temporada é uma fusão, com suas próprias nuances e limitações, desses dois fios condutores do visual da moda italiana. Mesmo os nomes mais relutantes às novidades efêmeras e alegóricas do universo das tendências se renderam às experimentações e aos conceitos que os acontecimentos recentes (da pandemia ao metaverso) incitam no campo visual. O jogo com opostos também foi explorado como forma de manifestar o equilíbrio em nossas vidas: nem tão leve, nem tão pesado, nem tão rígido, nem tão fluído – o meio termo é o caminho para uma vida harmoniosa e, aparentemente, para o estilo também. No mais, a volta triunfal dos casacos de pele (fake, pelo amor de Deus!). A textura foi uma das mais vistas das apresentações dessa temporada e foi usada sem parcimônia, como uma verdadeira protagonista do visual, quase sempre em looks completos – inclusive com bolsa e calçados no material.
Na segunda parte dos movimentos de moda identificados na fashion week de Milão, tivemos alguns desdobramentos que já tínhamos observado no circuito de outras cidades e mais alguns inéditos, mas que estão em consonância com as narrativas estéticas relatadas para nossa fase pós-pandêmica. O clima geral é de descontração, projeções de um futuro mais otimista e maleabilidade através de texturas que imitam o dinamismo da água, mas também de questionamentos sociais e políticos através do uso das cores ou de códigos de feminilidade unidos ao que é considerado subversivo.
Começamos a semana de moda de Milão e logo nos primeiros desfiles constatamos diversas estéticas que se assemelham aos movimentos já identificados nas fashion weeks londrina e nova-iorquina, mas também observamos narrativas inéditas. A sensualidade, mais uma vez, ronda a temporada sem desculpas e sem pudor e se manifesta em sua forma mais primitiva e atraente. Por outro lado, visuais que evocam referências do passado e mais ligadas à natureza também se fizeram presentes. Confira nossas primeiras impressões da semana de moda milanesa.
Nós já falamos sobre alguns movimentos de moda que percebemos durante as apresentações da temporada fall 21 e muito do que vimos até agora tem relação com atitudes mais sustentáveis, através do exercício de renovar e otimizar peças já existentes, do resgate de uma atmosfera retrô, que também acena para o ato de voltar a usar algo esquecido, ou mesmo consumir de maneiras alternativas, se voltando para as trocas ou brechós, por exemplo. Também já falamos sobre o movimento da sobrevivência (para relembrar, clique aqui) que aponta para as diversas nuances a respeito do tema, seja através do conforto que remete à segurança do lar, passando pelas referências apocalípticas do cinema, dos games e da literatura, chegando ao visual composto por diversas camadas que sugere a resistência através de uma vida nômade. A exploração das nossas formas tão plurais e subjetivas de sobreviver também engloba encontrar maneiras mais sustentáveis de consumir e ambos os movimentos podem ser inseridos no conceito deste que chamamos de “A Era do Gelo”. Se observarmos o que foi apresentado nessas recentes coleções, veremos uma interpretação dramática do que a moda espera para o futuro, em especial para o inverno que, com base nos looks criados, será implacável. O exagero das camadas, o volume e o peso dos casacos, a utilização de matéria prima que remete à ancestralidade humana (pelos fake em especial) e a proteção do corpo elevada a níveis extremos propõe não só um visual glamouroso e ao mesmo tempo preparado para as temperaturas glaciais, mas também nos convida a refletir sobre a necessidade de se vestir dessa maneira. Será que com nossos hábitos atuais estaríamos caminhando para uma nova era do gelo? As passarelas aqui indicam, num primeiro olhar, o ato de sobreviver a condições extremas, mas também podem ser interpretadas como um apelo para que repensemos nossas posturas para não chegar a este ponto.
deixe seu comentário