PFW fall 24 trend report
21.03.24 | Look da Paula
O beachwear é trazido para o contexto urbano em duas manifestações distintas e igualmente belas nas passarelas de Isabel Marant e Hermes. Na primeira, a conhecida estética boho chic da marca ganha contornos esportivos por meio das calças cargo, das parkas volumosas e dos macacões e shorts curtíssimos com fortes características utilitárias. A sensualidade despretensiosa de Marant se expõe através de leves vestidos em renda que reforçam seu DNA praiano cool e nas peças mais ajustadas e de textura metalizada que promovem um toque glam à coleção. Na sofisticada Hermés, a praia é trazida para a cidade de forma mais adulta e polida. Tops que remetem aos biquínis são combinados com saias mídi em couro texturizado, seguidos de ótimos conjuntos em linho, seda e algodão. Também se percebe uma nuance esportiva, mas de moda mais discreto e sofisticado. Sofisticação essa conseguida principalmente pela paleta de cores da coleção que transita entre vermelhos fechados, olivas, cinzas e brancos opacos.
Uma outra proposta do look de verão é apresentada nas coleções de Schiaparelli e McQueen. Estrutura, modernidade e exuberância são as palavras de ordem e não poderia ser diferente tendo em vista a própria trajetória das marcas. Na primeira, o surrealismo é trazido para as representações das lagostas desenhadas por Salvador Dalí tanto em texturas tridimensionais aplicadas em saias, blusas e acessórios, quanto em estampas superlativas que enaltecem um verão repleto de ostentação. As referências artísticas podem não ser tão evidentes na McQueen, mas a excentricidade aqui ganha vida pela estrutura, pelos metalizados e pela atmosfera que faz alusão a uma espécie de guerreira moderna através de designs que remetem a armaduras.
Na outra mão, temos a estética que enaltece a suavidade, uma ideia muito propagada nas outras semanas de moda. Surpreendentemente, a Louis Vuitton – que costuma trabalhar com camadas mais elaboradas, contextos experimentais e styling dramático – veio menos barulhenta, mas ainda assim contemporânea. Peças estruturadas e esportivas foram misturadas com outras mais fluídas e tradicionais criando um equilíbrio interessante entre o urbano e o bucólico. Na Zimmermann, que possui a delicadeza boho em seu DNA, a modernidade se fez presente em saias de couro, calças jeans amplas e alfaiataria desprendida, tudo em uma paleta mais opaca e com a adição de itens altamente românticos que levam a marca para um lugar mais atual.
Na Chanel, a estilista Virginie Viard estabelece seu compromisso com as roupas descomplicadas, porém extremamente chics. As texturas densas aplicadas em formas amplificadas e os looks finalizados com chinelos que lembram nossas amadas Havaianas criam essa atmosfera “easy chic” que é parte do DNA Chanel. Ótimos jeans, vestidos esvoaçantes, camisas listradas e a acessorização precisa completam a proposta.
O conceito de chic sem esforço ganha pitadas esportivas e modernas na coleção da Coperni, que adiciona detalhes insuitados como linhas diagonais, babados e peças com inspiração no universo da natação para reforçar a sua proposta do novo urbano. A Loewe, marca que também é conhecida por exuberâncias e experimentações, veio com uma coleção mais sossegada com ótimas peças em couro e calças de cintura altíssimas que desenham a silhueta de uma forma interessante. Com menos barulho e mais sofisticação também é a coleção de Victoria Beckham, que traz clássicos da alfaiataria em modelagens mais ajustadas, macacões de utilitarismo polido e bodys em tricô que ficam no meio termo entre a tradição e a inovação.
Seguindo a linha mais discreta também temos a Valentino, que continuou seu storytellin da coleção couture e trouxe vestidos lisos, camisas e calças jeans como uma reinvenção e atualização do luxo. O toque mágico fica por conta das peças inteiramente texturizadas e nas flores tridimensionais que formavam calças e vestidos.
Stella McCartney e Miu Miu têm muita coisa em comum nessa temporada. Aliás, a Miu Miu parece ter inspirado a estética de muitas marcas, já que suas narrativas visuais podem ser reconhecidas em algumas coleções apresentadas não só em Paris. A ousadia das calcinhas usadas como peça de composição principal do look, os delicados bordados aplicados em itens fluídos, o questionamento à estereotipização da feminilidade, a subjetividade do belo. Em ambas as coleções se nota essa anarquia estética, mas cada uma a sua maneira.
De toda essa temporada que trouxe narrativas ligadas à delicadeza e à ideia de feminilidade clássica, Paris foi a semana de moda que mais se distanciou desses conceitos românticos tradicionais e trouxe uma vertente mais minimalista e contemporânea da ideia de manifestações do feminino. Na Courréges, a alfaiataria ganha modernidade pelos recortes e pelas dimensões amplificadas. As linhas diagonais aplicadas em saias e vestidos, as fendas, os decotes e as golas abertas em um dos ombros são alguns dos recursos usados para deixar sempre uma parte estratégica da silhueta à mostra, o que traz não só dinamismo, quanto uma dose extra de sensualidade à seriedade atrelada aos conjuntos de alfaiataria. A coleção da Givenchy já faz uma leitura mais urbana da alfaiataria através de formas mais angulares, mas a narrativa sensual ainda se faz presente pelo uso da transparência e dos decotes mais aprofundados. Aqui o fator romântico se faz um pouco mais presente, especialmente pelos tons mais suaves e das texturas e estampas mais delicadas. Até nomes que possuem uma trajetória visual mais superlativa vieram com os pés no freio nesta temporada. É o caso da Dries Van Noten, que é conhecida por sua mistura de padronagens inusitadas e que nesta temporada trouxe um visual mais comedido, porém não menos moderno – como já é esperado da marca.
Minimalismo, no entanto, não é o movimento ideal para Rick Owens. O estilista que é conhecido pelo seu design futurista e associado à estética imaginada da vida extraterrestre não saiu de seu campo costumeiro de atuação e trouxe toda a sua visão conceitual à passarela. Nesta coleção, no entanto, conseguimos alcançar um ponto aqui e ali mais comercial. Embora as estruturas de Rick sigam uma linha mais vanguardista, suas calças de cintura altíssima e suas jaquetas arquitetônicas são perfeitamente imagináveis em uma dinâmica do dia a dia. Na Acne Studios, outra marca pautada pela modernidade experimental, vimos essa estética futurista ser levada para um lugar de maior fluidez. Peças esvoaçantes recebem intervenções que trazem as criações para um terreno moderno, fazendo com que o futuro idealizado pela marca não seja assim tão distópico.
O minimalismo também passa longe das passarelas da Rabanne e da Marni. Na primeira, as malhas e as aplicações metalizadas, os drapeados intensos e os artesanais robustos trazem um exagero bem-vindo a semana de moda de Paris. Na Marni, são as formas experimentais e as cores vibrantes que imprimem uma referência artística livre à uma temporada feita de tantas discrições. Barulho, afinal, também faz parte da vida.
Na Dior, misticismo e potência feminina se encontram e se entrelaçam em uma estética que é ao mesmo tempo real e com nuances góticas. O romance repleto de sensualidade trazido por Mariz Grazia Chiuri é inspirado por figuras femininas como Joana D`arc e as mulheres que ficaram conhecidas como as Bruxas de Salém. É uma coleção profunda nas cores, na make e nos acessórios mas que também emana uma beleza delicada especialmente pelo trabalho rústico com as rendas e nos acabamentos imperfeitos.
A escultura Nice de Samotrácia exposta no museu do Louvre e que representa a deusa da vitória, da força e da velocidade na mitologia grega foi a inspiração para a última coleção de Gabriela Hearst para a Chloé. Em peças repletas de textura e movimento, a estilista evoca uma feminilidade plural. A mulher de Hearst pode ser tanto romântica quanto destemida e esse universo se manifesta no movimento dos plissados marcados, na silhueta ovalar utilizada principalmente na parte de cima das peças, que causa uma ampliação do corpo sem perder a naturalidade, nas delicadas rendas, ou na densidade do couro. Aqui vimos a força feminina se mostrar das mais variadas formas.
Olivier Rousteing não é um designer que flerta com o minimalismo e não será em uma temporada majoritariamente minimalista que isso vai mudar. O maximalismo do estilista se converte em formas, texturas e cores superlativas com inspiração principal nas flores que aqui são representadas de maneira literal em aplicações tridimensionais e estampas excêntricas, que vêm junto com modelagens estruturadas, materiais chamativos e combinações de alto contraste. Tudo ao mesmo tempo acontece na passarela da Balmain, que se mantém fiel a sua trajetória independente das tendências do momento.
Vaquera desafia convenções e distorce o tradicional com um desfile moderno, questionador e visualmente contextual que faz parte da identidade da marca, abordagem também usada pela Weinsanto que trouxe uma coleção extremamente sensual ao mesmo tempo em que brincava com elementos fantasiosos – embora repleta de boas peças de complementação, blusas e calças bem ajustadas e corsets estruturados que fazem sozinhos qualquer visual.
Na Pierre Cardin, o futurismo que é tão inerente à trajetória da marca foi mostrado em uma vertente bem referenciada na década de 60. Vestidos curtos e estruturados, a típica gola escafandro, acessórios como óculos e botas de cano curto com fortes características sessentistas e padronagens geométricas de alto contraste de cores reforçam essa narrativa que é futurista e vintage ao mesmo tempo.
As narrativas mais românticas que vimos em outras semanas de moda desta temporada apareceram nas coleções apresentadas até agora, mas em Paris essa atmosfera tem sido levada para um lado com toques urbanos, estruturados e minimalistas. É o caso da CFCL com seus conjuntos monocromáticos levemente amplos e vestidos de base romântica apresentados em cores e materiais mais densos e por vezes com detalhes metalizados para equilibrar os códigos de delicadeza, mesmo recursos usados pela Mossi, que adicionou um pouco mais de volume, e maleabilidade às suas peças. A clara influencia oriental aqui é manifestada em recortes diagonais e drapeados que lembram as vestes tradicionais japonesas e adicionam tanto dinamismo quanto complexidade a peças de base mais clássica.
Itens tradicionais do armário são reconfigurados e sofrem intervenções que dão outra dinâmica para peças como calças de alfaiataria, camisas clássicas, vestidos retos em malha, blazers, parkas, bermudas e chemises. Na passarela da Victoria & Tomas, esses elementos sofrem intervenções contemporâneas de recortes, aplicações e detalhes utilitários que modernizam seu propósito original. Na Peter Do, essas descaracterizações são utilizadas através dos comprimentos inusitados e das construções mais elaboradas de camadas que trazem os clássicos para um lugar de contemporaneidade sem que percam a beleza e a utilidade para a vida real.
O futurismo sessentista volta a ser manifestado, desta vez na passarela da Anrealage, que se valeu de roupas feitas em materiais plásticos (recurso bastante visto em Milão também) para recriar um visual que remete muito aos filmes de ficção científica do período, especialmente porque muitas das roupas refletiam a luz do ambiente e mudavam de cor por completo. Texturas plásticas também foram vistas na Germanier, mas de uma maneira mais superlativa, refletindo muito mais um mood tropical do que futurista – fruto da colaboração com o estilista brasileiro Gustavo Silvestre da Projeto Ponto Firme.
Com o maior desfile dos primeiros dias de Paris Fashion Week, a Saint Laurent também se voltou para os anos 60, porém, com uma abordagem visual distinta. Cos referências e releituras de peças e estéticas icônicas que Yves Saint Laurent criou no período, a coleção foi composta em sua maioria por roupas para o dia a dia (de uma mulher extremamente sofisticada) através de macacões com nuances utilitárias, regatas básicas, saias-lápis, calças mais ajustadas e ótimos casacos de comprimentos diversos e impactantes pelo poder visual. Chic ao extremo, a coleção se diferencia do básico pelo styling que prezou pelos looks monocromáticos, pelos acessórios robustos que imprimiam um glamour dramático às composições (inclusive luvas de efeito slouchy) e na perfeição da paleta composta de tons cáqui e uma variação de terrosos que deixou tudo ainda mais sofisticado e desejável.
Estamos sempre indo além. O mercado de trabalho sempre nos exigiu pensamentos e atitudes fora da caixa e as redes sociais vieram para reforçar esse comportamento. Nos deparamos com um conteúdo e logo a aba do “arrasta pra cima” já está pipocando em nossa tela, nos instigando a ir além do que foi inicialmente apresentado. A geração “swipe up” mostra que é possível ir além não apenas no conteúdo, mas também no estilo. Vimos nas ruas da semana de moda de Paris que um casaco não é só um casaco, que uma calça não é só uma calça e que, de fato, um acessório ou uma cor bem escolhidos criam uma narrativa diversa para se ir além do esperado. São detalhes enriquecedores e interferências inusitadas que tiram qualquer peça do lugar de trivialidade e transformam o visual em um verdadeiro manifesto. Pense em recortes, texturas, tons e elementos de design colocados em contextos inesperados que empurram o estilo para um nível muito mais criativo e arriscado. Observe os detalhes e se permita ir além.
O circuito de Paris é sempre um dos mais aguardados das temporadas de moda, seja pela tradição, seja pelas apresentações de alguns dos nomes mais importantes da indústria. O que notamos, no entanto, foi uma ausência de inovação, salvo por algumas marcas que já se destacam pela experimentação. Talvez as nossas expectativas tenham sido um pouco elevadas com esses primeiros desfiles presenciais após o período de confinamento, mas a impressão geral que as apresentações nos causaram foi de prudência – voltar devagar, não mostrar todas as cartas de uma vez. Afinal, é esperado e até recomendado que a moda pise um pouco no freio para absorver todas as mudanças que os últimos acontecimentos globais causaram nos consumidores e talvez seja essa a razão do nosso sentimento de comedimento criativo. O que se viu, além das confirmações de alguns dos movimentos que observamos nos circuitos anteriores, foi principalmente o resgate de estéticas e narrativas vistas há poucas temporadas, como a bota over the knee, os maxi suéteres e a revisitação do estilo gótico. Composições que antes eram descritas como sendo de inspiração no universo da alfaiataria masculina ganham um destaque importante nas passarelas desta temporada e geram um debate acerca da roupa de gênero fluído: ainda é pertinente que digamos que esse visual é de influência masculina? Por que não dizer simplesmente que essa linguagem faz parte de um repertório de vestuário independente de gênero? Afinal, homens vestem saias e mulheres vestem calças (apenas para citar algumas peças que são rotuladas como masculinas e femininas) e dizer que um ou outro está “vestida de homem” ou “vestido de mulher” nos parece um tanto quanto ultrapassado. Por isso escolhemos dar a esse movimento o nome de “power dressing”, inspirado pela tribo dos yuppies dos anos 80 (tanto faz se homens ou mulheres) que carregavam uma imagem corporativa marcante pelas características do período. No âmbito dos movimentos que surgem de pautas contemporâneas, temos uma evolução do contexto de proteção que despontou em função da pandemia – antes caracterizado pelas roupas que escondiam e protegiam a silhueta do toque, hoje inspirado pelos esportes radicais – e também a revitalização de algumas peças do armário que ganham novo fôlego através de interpretações alternativas para sua função original, indicando uma preocupação com questões sustentáveis.
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