Estamos percebendo um movimento crescente na moda, talvez com maior evidência desde a última temporada de alta-costura e confirmado pelas referências de diversos nomes que se apresentaram no circuito fall 2022. O retorno da estética da década de 20 se caracteriza por elementos que todos já conhecem: plumas, cintura rebaixada, saias curtas, vestidos ricamente bordados, alfaiataria de inspiração masculina, olhos marcados por cores profundas etc. Mas essa narrativa vai muito além da roupa, assim como quase tudo que acontece na moda.
Se analisarmos o cenário da sociedade ocidental na década de 20, em especial nas grandes cidades, como Paris, Berlim, Londres, Rio de Janeiro e São Paulo, poderemos notar diversas semelhanças com o que estamos vivendo agora. Os anos 20, ou Os Loucos Anos 20 como muitos preferem chamar, foi um período de grande efervescência criativa, com o surgimento de importantes movimentos de vanguarda artística, ascensão do teatro e sobretudo do cinema, vida noturna regada a jazz e bebidas alcoólicas (a despeito da Lei Seca), forte influência literária e demais dinâmicas culturais, além da emancipação feminina sob diversos aspectos. Mulheres conhecidas como modernistas que vinham da elite intelectual europeia e dos filmes hollywoodianos influenciaram fortemente o comportamento feminino na época. Elas ganhavam mais espaço na sociedade através do voto e da entrada no mercado de trabalho, começaram a frequentar festas e bares, obtiveram maior poder de escolha e desfrutaram da liberdade sexual. Na moda, o corpo feminino também deixou de sofrer as limitações impostas pelos espartilhos e infinitas camadas de peças vindas do estilo do começo do Séc. XX. As barras encurtaram – assim como os cabelos – a modéstia deu lugar a bordados e pedrarias ostentosos, o armário masculino passou a ser uma possibilidade real de vestimenta e a dramaticidade tirada da mente fértil dos vanguardistas serviu de base para o surgimento de figuras icônicas também por sua imagem, como a escritora Nancy Cunard, as dançarinas Anita Berber e Valeska Gert, a fotógrafa Claude Cahun dentre tantas outras que desafiavam os padrões conservadores do início do século e influenciavam ativamente as mulheres mais progressistas da época.
Essa mudança significativa no cenário social e cultural da década de 20 se deu em função especialmente do renascimento democrático e econômico após a erradicação da gripe espanhola que assolou o mundo por pouco mais de dois anos com uma estimativa de mortes na casa dos 50 milhões e o fim da Primeira Guerra Mundial. Com uma sociedade mais pacífica e o poder aquisitivo prosperando, as pessoas se voltaram para o lazer e para as artes, sendo este um dos períodos mais ricos e importantes em termos de contribuição cultural para a humanidade. Alguma semelhança com o hoje? Após um longo período de pandemia com o consequente isolamento social a vida noturna, movimentos criativos e as despesas nomeadas como “consumo de vingança” em razão do tempo que permanecemos confinados se consagraram como uma dinâmica contemporânea de respostas aos desafios impostos pela COVID-19. As experiências sociais que foram possíveis anos 20 devido ao pós-guerra e ao pós-pandemia e também pela modernização e democratização dos meios de interação humana (carros, rádio, cinema) e que culminaram com o surgimento e a expansão de novas formas de expressão (tanto no campo artístico, como no pessoal, sobretudo em se tratando das mulheres), têm grande potencial de se repetirem devido às paridades com as circunstâncias atuais. Isso, inclusive, foi objeto de pesquisa do professor da Universidade de Yale Nicholas Christakis, que compara o panorama dos dois períodos e afirma que há grande possibilidade de se reviver os loucos anos 20 a partir de 2024. Diz o professor que “em períodos de pandemia, as pessoas tipicamente se voltam mais para a religião, poupam dinheiro, são tomadas pela aversão ao risco, têm menos interações sociais e ficam mais em casa. Mas na pós-pandemia, tudo isso ficará para trás, como aconteceu com os loucos anos 20 do século passado. As pessoas inexoravelmente vão buscar mais interação social. Vão a casas noturnas, restaurantes, manifestações políticas, eventos esportivos. A religiosidade vai diminuir, haverá uma tolerância maior ao risco e as pessoas gastarão o que não puderam gastar. Depois da pandemia, pode vir uma época de libertinagem sexual e gastança desenfreada. Se você olhar para o que aconteceu nos últimos 2 mil anos, quando as pandemias acabam, há uma festa. É provável que vejamos algo parecido no século 21” (fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-55670066).
A moda, obviamente, acompanha essa revisitação histórica, já que ela foi um dos principais pilares para que essas mudanças na sociedade da época ocorressem. A estética dos anos loucos aparece adaptada ao nosso tempo, mas ainda com forte inspiração no período.
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