fall 23 COUTURE | dia 3
06.07.23 | Moda Semanas de Moda
Em sua segunda coleção para a tradicional marca britânica, Daniel Lee demonstra maturidade e até uma certa obsessão ao lidar com os símbolos da Burberry. Afinal, uma marca que está atuante há mais de um século tem uma rica trajetória que deve ser explorada com sensibilidade e inteligência, de modo que não se perca no oceano de referências e demandas atuais. Daniel Lee mostra sua capacidade de unir os laços de passado e presente de maneira harmoniosa e orgânica desde sua atuação junto à Bottega Veneta e na Burberry seu processo de aceitação e adaptação continua se manifestando de forma tanto respeitosa quanto criativa. Nesta coleção o foco principal está na exploração do clássico xadrez Príncipe de Gales da marca. Aplicado dos pés à cabeça em variações de cores pouco vibrantes, a padronagem aparece em dimensões distintas e com uma proposta inovadora ao ser aplicada de forma tradicional na parte de cima da silhueta e sofrer uma espécie de ruído digital conforme nosso olhar desce pelas imagens. Essa distorção traz dinamismo e modernidade a uma estampa demasiadamente tradicional e reforça as intenções do estilista em trazer a marca para o presente sem afetar sua herança.
Outro símbolo muito presente na história da Burberry é o cavaleiro equestre que aqui foi usado tanto em sua forma literal estampada em maxi-bolsas quanto através de detalhes reproduzidos em estampas e acessórios – como as cabeças de cavalo em ferro chapado adornando as bolsas ou o capacete que se transformou em estamparia de looks completos. A coleção ganha maior dose de delicadeza ao apresentar os florais, movimento que também foi bastante explorado por Lee em sua temporada de estreia. Aqui eles são usados em peças mais fluídas, de materiais finos e que instigam a vida ao ar livre, que é um dos principais pilares da Burberry.
Muito mais do que o utilitarimo como estética vazia, a coleção é sobre espaços abertos. Chuva, campo, caminhadas, ventanias, fauna e flora. É sobre se integrar com o ambiente sem modifica-lo por completo – uma interessante analogia sobre o próprio trabalho de Lee nas narrativas da Burberry.
As coleções cruise e resort têm um padrão visual muito estabelecido de serem mais escapistas, já que historicamente são roupas que começaram a ser feitas para clientes que fugiam do frio no hemisfério norte para destinos turísticos mais quentes, além de terem um viés comercial forte para permanecerem mais tempo nas lojas. Semana passada analisamos o movimento brutalista que parece ter sido usado como base para diversas marcas, o que se desdobra também nesta dinâmica que vamos analisar agora. Essas coleções feitas originalmente para destinos de férias estão mostrando uma configuração alternativa nesta temporada, sugerindo um visual altamente urbano e minimalista que indica um non-stop da produtividade. É preciso correr atrás do prejuízo pós-pandêmico e se ajustar para incertezas financeiras em um cenário econômico pouco favorável para grandes gastos. Em suma, ninguém viaja! As roupas dessa temporada resort são feitas para um contexto urbano dinâmico, produtivo e funcional, com o office look pontuado pela alfaiataria rigorosa e tradicional, sapatos de bico fino, tons mais profundos etc.
O movimento brutalista na arquitetura surgiu como uma reação aos valores românticos e nostálgicos que não mais faziam sentido em uma Europa devastada pela guerra. Como forma de economia, o contexto estético ficou em segundo plano e cedeu lugar a construções de formas frias, estruturadas e puramente funcionais, afinal, reerguer cidades demandam outras prioridades do que simplesmente um visual agradável. Surgia, assim, um novo estilo arquitetônico que se disseminou pelas maiores cidades da Europa e inspirou diversas construções entre o mundo (entre elas o nosso MASP, de Lina Bo Bardi). Moda e arquitetura têm uma colaboração ampla e de longo prazo e pudemos notar que o brutalismo parece ter inspirado o design e até algumas campanhas nesta temporada resort 24. E isso nos fez imaginar se essa narrativa seria o próximo passo do movimento quiet luxury (a gente não aguenta mais esse termo). Se o luxo modesto é pontuado pela estética do longo do prazo, pelos clássicos atemporais e pelo visual avesso aos excessos, o brutalismo também se encaixa nessas características, mas com a diferença de que aqui entra em cena a funcionalidade. Linhas retas, formas puras e rigorosas, cortes geométricos, unicidade de cor, material, textura e proposta, roupas que cumprem seu exato papel em uma rotina dinâmica, altamente produtiva e com pouco espaço para extravagâncias. Também o momento em que o movimento brutalista surgiu parece se encaixar com o nosso atual contexto social que não nos dá muita segurança para grandes investimentos ou muitas experimentações visuais. As coleções resort, que podem ser uma prévia do que virá na próxima temporada spring em setembro, nos mostram qual será nossos próximos passos não só em termos estéticos, mas também comportamentais e que podem ser traduzidos em segurança, familiaridade e a possibilidade de alta performance adicionada a esta equação.
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