MODA PARA PENSAR – o papel das roupas como conhecemos está com os dias contados?

12.04.23 | Moda moda pra pensar


 

Contextos visuais que representam um clima de insegurança são representados na moda a todo momento. Vimos a ascensão de uma estética nômade pré-pandemia, roupas que estimulam a criatividade através do movimento de design de urgência, produção de looks compostos por diversas peças diferentes e de pegada vintage que acenam para o consumo mais sustentável, um movimento que remete aos diversos modos de sobrevivência, o conforto extremo desejado em função do isolamento, estéticas que nos trazem uma atmosfera apocalíptica, crescimento de referências alienígenas etc. Todas essas narrativas podem nos levar a pensar em roupas para enfrentamento de uma nova realidade não tão otimista, mas e se o caminho for justamente o contrário? E se essas roupas, na verdade, estão nos indicando um novo período de isolamento, dessa vez, voluntário? Vimos nos mais recentes desfiles da temporada fall 23 esse contexto do visual caótico elevado a outros patamares. São peças de aspecto inacabado extremo, aparência bastante rústica, intervenções brutas, impressão de pouca ou nenhuma limpeza, de itens que realmente foram usados por muito tempo. Com o atual cenário mundial, o sentimento que essa manifestação visual nos passa é que essas roupas não simbolizam uma agenda de sustentabilidade, ou um estímulo à sobrevivência, ou um exercício da criatividade em prol de um estilo pessoal único, mas sim de um novo período de isolamento social onde, na verdade, o que se veste pouco importa. Nesse cenário, nossas roupas poderiam ficar sujas, rasgadas e extremamente usadas já que seu papel estético não faria mais sentido.

 




 

Obviamente esse é um panorama extremo de um tipo alternativo de caos apocalíptico e a moda pode interpretar isso de uma maneira extravagante para contextualizar uma sociedade que escolhe não sair de casa e escolhe não olhar suas roupas com o mesmo cuidado de antes, mas se analisarmos friamente nossa situação atual veremos que essa é uma ideia que não está assim tão distante. São muitos os fatores que poderiam fazer com que essa realidade alternativa se tornasse presente:

– Estímulos que fazem o usuário passar cada vez mais tempo em ambientes virtuais – metaverso, jogos, redes sociais, apostas, interações com programas de inteligência artificial etc;
– crescimento do trabalho remoto;
– escalonamento de comportamentos violentos que deixam de ocorrer apenas em grandes centros urbanos;
– aumento de preços de produtos e serviços de um modo geral com a consequente diminuição da capacidade de consumo;
– ameaças constantes de crimes de grande escala;
– polarização política extremada, que acalora discussões e extingue relações;
– aumento da insegurança financeira promovida por uma crescente crise econômica global.
Estes são alguns fatores que poderiam concretizar um novo isolamento social em massa, que traria, em tese, as consequências visuais que foram representadas em diversos desfiles desta última temporada de moda. Afinal, quando as experiências e interações se resumem a um único ambiente, qual é o real papel do que se veste?

 

 

É claro que a forma como percebemos a moda é subjetiva e isso não é um aviso sobre uma nova maneira do fim do mundo ocorrer, mas essa narrativa estética sempre nos coloca em um lugar de desconforto para pensarmos onde estamos como sociedade. A arte serve para estimular essa inquietude. Nessa interpretação especificadamente, o papel da moda é muito mais sobre nos fazer entender o ambiente a nossa volta para analisarmos os caminhos que estamos tomando enquanto seres coletivos, do que um alerta sobre um futuro pouco otimista promovido por toda sorte de calamidades. Roupas sempre comunicarão alguma coisa, mesmo que não pretendam comunicar nada. Se a roupa pouco importa em um cenário como o retratado aqui, sua mensagem ainda é importante. O que são as roupas quando estamos longe dos olhos e do julgamento do restante do mundo? O que é o belo quando as prioridades são outras? Se minha performance virtual é muito mais presente do que a física, a estética ainda importa?

a estética do CAOS

18.01.23 | moda pra pensar



 

Não faz muito tempo que os conteúdos de gerenciamento de mídias sociais indicavam um feed agradavelmente estético e coeso como meio de crescimento no universo virtual, mas de acordo com as tendências em expansão para 2023, essa é uma abordagem que já não tem apelo, especialmente quando falamos da geração Z. Em um mundo cada vez mais rodeado de incertezas e Inseguranças, a população mais jovem busca uma ligação real com os criadores de conteúdo que pode ser traduzida basicamente por menos curadoria e mais conexão. E é aí que entra em cena um dos grandes movimentos culturais e visuais deste ano que é o da estética do caos.

 

 

Imagens mais orgânicas e de aparência borrada, styling menos elaborado, a autenticidade que se sobrepõe à cópia e redes sociais que enaltecem a realidade que nos cerca de forma crua são algumas das características que mais atraem a GenZ, que encara esses elementos como uma forma de elevação do potencial criativo dentro de uma linguagem mais caótica para amadurecimento do estilo pessoal. A expressão “bad taste aesthetic” se refere a uma narrativa que abraça um visual subversivo e misturado, um ato de vestir intuitivo que explora as diversas possibilidades de um armário onde o design de urgência, o DIY e os meios de consumo alternativos entram como ferramentas para se criar uma identidade de estilo única, marcante pela experimentação livre de amarras e pela imagem inesperada.

 

 

Além do movimento estimular a criatividade através de um estilo pessoal que foge de regras e, portanto, cria formadores de opinião e influencers com maior escala de diferenciação (especialmente pela imagem), gerando em contrapartida um laço mais estreito de reconhecimento e conexão entre quem influencia e quem é influenciado, esse é o tipo de manifestação imagética que tem grande impacto sobre pautas sustentáveis, sobretudo ao desencorajar o consumo de novas peças quando possibilidades infinitas podem ser encontradas em nossos próprios armários.

 


GAL e o poder da imagem como expressão de coragem

09.11.22 | Get Inspired By moda pra pensar


 

Hoje tivemos a triste notícia do falecimento da cantora Gal Costa, aos 77 anos. Gal não era só uma das principais representantes da música brasileira, mas também era um expoente da arte, da cultura e da manifestação criativa livre. É por essa inteligência em saber quem é, de onde veio e em como se expressar, que a cantora manteve sua importância com o passar dos anos, sendo objeto de matérias, livros, cinema (em uma autobiografia que ainda será lançada) e toda sorte de interesse midiático que sempre foi despertado pelo incansável fascínio que gerava. Essa sensibilidade de saber seu lugar e estar desperta para o que acontece em volta – qualidades raras nos dias atuais – fez não só de suas músicas eternas, mas também a sua imagem.

 



 

Gal promovia um estilo de vida alternativo, baseado especialmente na ideia de liberdade, de coragem e da honestidade de assumir as diversas camadas que formam um ser, em um período baseado no medo, no cerceamento, na limitação, na demonização das artes – principalmente àquelas ligadas ao feminino – e na repressão de qualquer modelo que fugisse do “convencional” de uma sociedade sob a vigia da ditadura militar. As roupas curtas, os cabelos naturalmente selvagens, os seios desnudos e as escolhas extravagantes que passavam longe da modéstia imposta às mulheres, formavam um conceito de imagem que aos olhos dos ignorantes, dos conservadores, dos retraídos, dos insignificantes e dos medíocres é apenas loucura, vulgaridade, desaforo. Adjetivos que costumam ser atribuídos às mulheres que se expressam firmemente contra o papel que lhes foi imposto, contra um cenário que exige o conformismo.

 




 

Mas quem partilha da sensibilidade de estar desperto para o que acontece em volta, enxerga revolução, contestação, coragem, liberdade. Enxerga a força feminina que sabe o que acontece e que sabe o que quer. Enxerga coerência entre a arte e o artista. Enxerga representatividade. A imagem que Gal usava para se colocar contra um sistema opressor, assim como sua arte, são contemporâneas, são perpétuas, já que sempre haverá uma estrutura social para ser desafiada. E isso, no final das contas, é o lado bom de existir a contestação. A coragem de se expressar, seja através da música ou da moda, fez de Gal eterna, parte intrínseca da identidade e da cultura brasileiras. E isso ninguém pode apagar. Talvez a cantora nem tivesse intenção ou nem quisesse ser uma figura de questionamento, mas a naturalidade com que fazia isso acontecer demonstra sua conexão com o que acontecia ao redor. “É preciso estar atento e forte não temos tempo de temer a morte”.

 

ROSALÍA e a inteligência na construção da imagem pessoal

02.09.22 | Get Inspired By moda pra pensar


 

Que a cantora espanhola de 29 anos é um fenômeno, não há dúvidas e certamente sua imagem faz parte do pacote que torna Rosalía um dos nomes mais importantes em termos de expressão artística da atualidade. O marketing em torno da cantora é intenso e não se restringe somente aos seus lançamentos musicais, já que suas escolhas visuais de alinham com sua veia criativa mais experimental e também com suas raízes espanholas.

 



 

É uma construção muito inteligente de imagem. Isso pode ser percebido tanto em seu visual fora dos eventos formais, que fazem uma ampliação estética do seu mais recente álbum, Motomami, quanto em suas aparições no red carpet que trazem de maneira contemporânea elementos tradicionais do flamenco, como a estampa de bolas, os babados, os acessórios que remetem à origem cigana da dança e as franjas encontradas nos mantoncillos que compõem o traje. Existe uma coerência na linguagem da cantora que pode ser percebida na sua música, nos seus vídeos e no seu estilo dentro e fora dos eventos formais. E é justamente essa conexão que traz força ao nome e ao trabalho de Rosalía, que se destaca de uma maneira diferenciada de outras cantoras da atualidade por mostrar, tanto e termos musicais quanto visuais, uma experimentação que foge das amarras da trivialidade.

 



Analisando a relevância da ALTA-COSTURA

15.07.22 | moda pra pensar Semanas de Moda

Fato: uma marca não se sustenta somente com a alta-costura. Na verdade existem mais gastos do que lucro efetivo em uma coleção dessa natureza. São processos artesanais intermináveis, mão de obra especializada, matéria-prima cara e apenas duas apresentações anuais alguns dos fatores que tornam a alta-costura, por si só, insustentável. A própria nomenclatura alta-costura é legalmente protegida e somente após diversos processos de verificação e cumprimentos de regras determinadas é que uma marca ganha autorização para usar o termo Haute Couture, detido pela Fédération de la Haute Couture et de la Mode (FHCM). Mas se é um processo tão complicado e caro, por que ainda existe? Podemos citar alguns elementos que contribuem para que a HC se mantenha relevante com o passar dos anos e que garantem sua sobrevivência no futuro.

 

 

Segundo Pascal Morand, presidente executivo da FHCM, “couture implica em um alto nível de criatividade, em um alto nível técnico e também um nível absoluto de individualização” (em entrevista para o NY Times de 27/01/2017). Ou seja, basicamente nós transformamos nossa percepção a respeito de uma marca através da alta-costura. O lucro de grandes nomes do setor vem majoritariamente de seu departamento de acessórios e beleza, sendo a HC, portanto, um aceno definitivo para o luxo em um mercado onde a diferenciação é essencial para o destaque e a sobrevivência. A alta-costura, assim, oferece essa oportunidade de evidência adicional. É na alta-costura que uma marca cria emoção, apelo, sonho e gera o desejo muito mais focado em seu “peso” e significado do que pelo que cria propriamente. Couture, portanto, é arte. Mas muito mais do que arte, também é estratégia de posicionamento. Segundo o professor Jean-Noel Kapferer, uma autoridade no setor de luxo e autor de diversos livros sobre o segmento, “a ousadia e a criatividade da alta-costura beneficiarão o setor do ready to wear, pois permite que as marcas estabeleçam preços elevados e assim aumentem sua autoridade simbólica no mercado”. E isso ocorre por causa do efeito “trickle down”, ou efeito de gotejamento. Desde que os seres humanos se vestem além da função de se protegerem e desde que a sociedade se estruturou em um sistema de hierarquia de classes, esse efeito de gotejamento existe na moda. Ele funciona como um mecanismo natural de criação do desejo através da hierarquização das classes sociais. Resumindo: se os mais ricos usam e gostam, eventualmente a massa também vai ser influenciada. Percebe o poder da alta-costura mesmo que ela seja feita para uma clientela tão restrita? O impacto gerado pela HC é refletido em todos os setores de uma marca que, por sua vez, se posiciona, se valoriza no mercado e tem aval para praticar os preços e a estética que bem entende. Outro ponto relevante é o nicho. A HC conversa com indivíduos específicos e privilegiados (muito privilegiados) e é uma ferramenta para que esses mesmos indivíduos se diferenciem. Isso cria uma relação a longo prazo com essa clientela cujo capital não fica restrito somente às criações feitas sob medida. E o crescimento do número de bilionários no mundo em especial nos mercados emergentes amplia a atuação da HC, ao mesmo tempo que ela ainda permanece restrita a um grupo específico.

 

 

E como ela se atualiza? Principalmente com a flexibilização de algumas regras e com a busca de singularidade. Ou seja, mesmo que haja um número obrigatório de looks a serem desfilados para que uma marca consiga ser convidada para a semana de alta-costura de Paris, essa regra pode ser revista caso o estilista tenha relevância, singularidade, apelo e flerte com a inovação, como acontece com a holandesa Iris Van Herpen, que além de poder desfilar menos looks do que a regra da FHCM estabelece, ainda usa a impressão 3-D para produção de suas peças (o que iria contra as regras da federação que exige que as roupas sejam feitas à mão).

 

 

A entrada de marcas mais arrojadas no calendário também contribui para que a curiosidade e a importância na HC se mantenham, como é o caso da Balenciaga, do duo holandês Viktor & Rolf e da belga Maison Martin Margiela comandada por John Galliano.



Algumas marcas que se apresentam nessa temporada também podem chamar a atenção para problemas sérios da atualidade, como no caso da Dior que fez uma coleção inteira dedicada ao folclore ucraniano em colaboração com a artista Olesia Trofymenko ou nas coleções sustentáveis de Ronald van der Kemp que desde sempre atua da maneira a causar menos impacto ambiental possível com suas criações, ao mesmo tempo que entrega um trabalho de alto valor artístico.



 

A HC acompanha o presente e se flexibiliza sem, no entanto, perder seu caráter de exclusividade e acenar para a banalização, o que faria cair por terra toda a estratégia de posicionamento e autoridade das marcas. Hoje, portanto, muito mais do que regras engessadas e expectativas de looks magistrais e impossíveis, a HC é sobre singularidade. É todo um universo a parte que independe de tendências e movimentos sazonais e é justamente por sua sagacidade na adaptação ao presente que a alta-costura continuará sendo relevante no futuro. O relaxamento estratégico de seus códigos e a entrada de novos membros traz dinamismo e renova o interesse pela HC, ainda que o ingresso nesse clube continue sendo muito restrito.

Verão 22/23 – Sobriedade que destaca

27.05.22 | Moda moda pra pensar Semanas de Moda


 

Num primeiro momento pós-pandêmico presenciamos um fenômeno estético que já esperávamos devido ao tempo em que passamos confinados por conta ao isolamento social: o look escapista. Em que pese o conforto ter se tornado uma característica primordial para as nossas escolhas de vestuário conforme a vida voltava ao “normal”, vimos que muitas coleções e muitos consumidores se voltaram para o movimento do exagero visual, da ousadia, da experimentação e estabeleceram novos laços com seus armários no sentido de ampliar suas possibilidades sobretudo por dois motivos: saudade do vestir para sair e incertezas sobre o futuro. Desse contexto, vimos surgir outra forma de manifestação visual tão relevante, grandiosa e esteticamente marcante quando a primeira: a linguagem sensual pura. Os códigos sensuais tão excluídos pela moda e colocados em um lugar de vulgaridade se tornaram uma representação de liberdade do corpo por muito tempo escondido devido ao receio do toque, da contaminação, da exposição. E é claro que com movimentos tão acentuados pelo exagero é de se esperar que caminhos opostos sejam tomados para que os mecanismos de criação do desejo da indústria da moda continuem alcançando o maior número possível de consumidores. Aqui, o que destaca é a sobriedade. Mas não estamos falando de um visual clássico pontuado pelos conceitos básicos de discrição. Esse movimento se configura pela modéstia não óbvia, pela impressão de discrição ao primeiro olhar que se esvai quando lançamos uma observação mais profunda aos detalhes que enobrecem o visual. São looks sobretudo monocromáticos ou compostos de tons tradicionais e que sugerem sofisticação, mas que formam uma elegância não engessada. “Easy chic” é o que expressa essa narrativa. É a simplicidade que se sobressai em um feed repleto de produções ultra chamativas e que gera impacto pela nobreza dos materiais misturados com a naturalidade das peças artesanais, pelos volumes que promovem a liberdade de movimentos e se comportam como uma extensão da nossa silhueta e pela sofisticação despretensiosa que torna inevitável não parar para observar mais a fundo. Simples, porém não trivial. Sofisticado, mas sem soberba. Rico, mas longe de ser elitista ou ostentoso. Em tempos de saturação visual, vibrações mais tranquilas são indispensáveis para o nosso equilíbrio e os pés no chão.

 

Verão 2023 – Liberdade criativa com foco no entusiasmo

12.05.22 | Moda moda pra pensar Tendências


 

Um movimento que vem ganhando força para o próximo verão é aquele que chamamos de expressão singular. Confirmado pelos desfiles da temporada spring 22, essa estética surgiu nas redes sociais, em especial no TikTok, onde diversos criadores de conteúdo mostram de maneira muito orgânica como se vestem para as mais variadas ocasiões sempre com foco na inventividade subjetiva repleta de elementos despojados e que formam um resultado final inusitado, divertido e que faz sentido sob o ponto de vista íntimo. É a liberdade criativa com foco no entusiasmo, que também vimos se confirmar nas mais recentes imagens de street style dos desfiles da temporada fall 22. Seja através de cores vibrantes, da mistura de peças que carregam valor afetivo, de ressignificar o tradicional ou de buscar a diferenciação pelos detalhes este movimento diz muito sobre a leveza de não se prender a códigos visuais e “regras de estilo” que não têm mais sentido. No lugar do equilíbrio, da neutralidade e da atenção, entra em jogo a possibilidade de mostrar demais, de usar demais, de misturar o que bem entendemos e, por consequência, abraçar nossas vontades mais peculiares no que diz respeito ao nosso estilo e modificar nossa relação com o ato de vestir. Misturas, cores e possibilidades ampliadas nos lembra muito do que ocorria na moda no começo dos anos 2000 que, não por acaso, é a década do momento. Classificamos este movimento como um dos pilares estéticos para o próximo verão mas a verdade é que esse contexto de exploração visual sem limitações e tendo a diversão como norte, veio para ficar.

 

Os anos 20 na moda e sua relação com o presente

20.04.22 | Moda moda pra pensar Tendências


 

Estamos percebendo um movimento crescente na moda, talvez com maior evidência desde a última temporada de alta-costura e confirmado pelas referências de diversos nomes que se apresentaram no circuito fall 2022. O retorno da estética da década de 20 se caracteriza por elementos que todos já conhecem: plumas, cintura rebaixada, saias curtas, vestidos ricamente bordados, alfaiataria de inspiração masculina, olhos marcados por cores profundas etc. Mas essa narrativa vai muito além da roupa, assim como quase tudo que acontece na moda.

 

 

Se analisarmos o cenário da sociedade ocidental na década de 20, em especial nas grandes cidades, como Paris, Berlim, Londres, Rio de Janeiro e São Paulo, poderemos notar diversas semelhanças com o que estamos vivendo agora. Os anos 20, ou Os Loucos Anos 20 como muitos preferem chamar, foi um período de grande efervescência criativa, com o surgimento de importantes movimentos de vanguarda artística, ascensão do teatro e sobretudo do cinema, vida noturna regada a jazz e bebidas alcoólicas (a despeito da Lei Seca), forte influência literária e demais dinâmicas culturais, além da emancipação feminina sob diversos aspectos. Mulheres conhecidas como modernistas que vinham da elite intelectual europeia e dos filmes hollywoodianos influenciaram fortemente o comportamento feminino na época. Elas ganhavam mais espaço na sociedade através do voto e da entrada no mercado de trabalho, começaram a frequentar festas e bares, obtiveram maior poder de escolha e desfrutaram da liberdade sexual. Na moda, o corpo feminino também deixou de sofrer as limitações impostas pelos espartilhos e infinitas camadas de peças vindas do estilo do começo do Séc. XX. As barras encurtaram – assim como os cabelos – a modéstia deu lugar a bordados e pedrarias ostentosos, o armário masculino passou a ser uma possibilidade real de vestimenta e a dramaticidade tirada da mente fértil dos vanguardistas serviu de base para o surgimento de figuras icônicas também por sua imagem, como a escritora Nancy Cunard, as dançarinas Anita Berber e Valeska Gert, a fotógrafa Claude Cahun dentre tantas outras que desafiavam os padrões conservadores do início do século e influenciavam ativamente as mulheres mais progressistas da época.

 


 

 

Essa mudança significativa no cenário social e cultural da década de 20 se deu em função especialmente do renascimento democrático e econômico após a erradicação da gripe espanhola que assolou o mundo por pouco mais de dois anos com uma estimativa de mortes na casa dos 50 milhões e o fim da Primeira Guerra Mundial. Com uma sociedade mais pacífica e o poder aquisitivo prosperando, as pessoas se voltaram para o lazer e para as artes, sendo este um dos períodos mais ricos e importantes em termos de contribuição cultural para a humanidade. Alguma semelhança com o hoje? Após um longo período de pandemia com o consequente isolamento social a vida noturna, movimentos criativos e as despesas nomeadas como “consumo de vingança” em razão do tempo que permanecemos confinados se consagraram como uma dinâmica contemporânea de respostas aos desafios impostos pela COVID-19. As experiências sociais que foram possíveis anos 20 devido ao pós-guerra e ao pós-pandemia e também pela modernização e democratização dos meios de interação humana (carros, rádio, cinema) e que culminaram com o surgimento e a expansão de novas formas de expressão (tanto no campo artístico, como no pessoal, sobretudo em se tratando das mulheres), têm grande potencial de se repetirem devido às paridades com as circunstâncias atuais. Isso, inclusive, foi objeto de pesquisa do professor da Universidade de Yale Nicholas Christakis, que compara o panorama dos dois períodos e afirma que há grande possibilidade de se reviver os loucos anos 20 a partir de 2024. Diz o professor que “em períodos de pandemia, as pessoas tipicamente se voltam mais para a religião, poupam dinheiro, são tomadas pela aversão ao risco, têm menos interações sociais e ficam mais em casa. Mas na pós-pandemia, tudo isso ficará para trás, como aconteceu com os loucos anos 20 do século passado. As pessoas inexoravelmente vão buscar mais interação social. Vão a casas noturnas, restaurantes, manifestações políticas, eventos esportivos. A religiosidade vai diminuir, haverá uma tolerância maior ao risco e as pessoas gastarão o que não puderam gastar. Depois da pandemia, pode vir uma época de libertinagem sexual e gastança desenfreada. Se você olhar para o que aconteceu nos últimos 2 mil anos, quando as pandemias acabam, há uma festa. É provável que vejamos algo parecido no século 21” (fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-55670066).

 


 

A moda, obviamente, acompanha essa revisitação histórica, já que ela foi um dos principais pilares para que essas mudanças na sociedade da época ocorressem. A estética dos anos loucos aparece adaptada ao nosso tempo, mas ainda com forte inspiração no período.

Moda pra pensar: o que está por trás do combo calça + regata branca

25.03.22 | Moda moda pra pensar Semanas de Moda


 

Sempre que assistimos aos desfiles de uma semana de moda esperamos encontrar algo novo. Seja pela reedição de movimentos passados, seja pela experimentação, fato é que ansiamos por uma representação visual que fuja da trivialidade do ato de vestir para o dia a dia. Mas a verdade é que a moda, muito mais do que oferecer a vanguarda, também é uma maneira de interpretação do presente e embora o conceitual tenha feito parte de algumas apresentações uma mistura considerada óbvia deu as caras em alguns desfiles importantes, o que nos fez pensar sobre a razão de ela estar ali. Estamos falando do combo mais básico, democrático e seguro de todos: calça + regata branca. Ver uma composição destas abrir um desfile de peso como ocorreu com na Bottega Veneta nos intrigou e nos instigou a colocar a cabeça pra funcionar, afinal, nada na moda é por acaso.

 


 

Então absorvemos o que está acontecendo hoje. Temos acesso a todo tipo de informação e de uma forma muito veloz. Basta uma simples passeada pelo feed do Instagram para sabermos das últimas novidades direcionadas para todo tipo de assunto. De design à política, passando pelos benefícios de velas aromáticas até as últimas informações sobre a guerra (seja aquela feita pelos homens, seja contra os microrganismos). Consumindo cada vez mais conteúdo, temos também as ferramentas que permitem que essa absorção seja cada vez mais dinâmica. O clique ao alcance, os áudios com velocidade dobrada, corretores de celulares com frases prontas e toda sorte de recursos que disponibilizem o acesso rápido à informação demonstram que estamos vivendo o presente com a urgência de se ter tudo à mão. E este é um look que manifesta essa urgência. Simples, de fácil acesso, inclusiva e versátil, esta é uma composição que pode ser feita às pressas já que não demanda muita ponderação. Afinal, se já temos nossos pensamentos voltados quase que inteiramente para o bombardeio diário de informações diversas que ocupam grande parte da nossa mente e do nosso raciocínio, não deveríamos nos submeter a mais uma preocupação, no caso, o ato de vestir. Além da representação desse estilo de vida baseado na urgência e na catalogação de prioridades, uma base como esta gera possibilidades amplas da criação de novos looks com pequenas mudanças, especialmente no inverno quando os itens de complementação são indispensáveis para o conforto térmico.

 

 


 

E isso é bom ou ruim? Depende. Se essa representação estética significa menos consumo (como mencionamos, é uma base democrática que amplia as possibilidades de complementação e novas manifestações visuais), menos estresse (já que é uma coisa a menos para se preocupar no dia) e uma moda mais acessível (é uma combinação que está ao alcance de todos), podemos considerar que é um movimento bom. Entretanto, se ele existe somente em função de enaltecer esse estilo de vida baseado na pressa e de nos tornar neutros frente essa descarga desenfreada de conteúdo diário (nem sempre de qualidade) o impacto é outro.

 

 

De qualquer forma é uma combinação que representa nosso atual momento, de outras prioridades, de outras urgências, de outros conflitos e essa combinação nada mais é do que uma prioridade, uma urgência e um conflito a menos em nossas vidas.

 

PFW fall 22 street style | Ir além no conteúdo e no visual

23.03.22 | moda pra pensar Semanas de Moda Street Style


 

Estamos sempre indo além. O mercado de trabalho sempre nos exigiu pensamentos e atitudes fora da caixa e as redes sociais vieram para reforçar esse comportamento. Nos deparamos com um conteúdo e logo a aba do “arrasta pra cima” já está pipocando em nossa tela, nos instigando a ir além do que foi inicialmente apresentado. A geração “swipe up” mostra que é possível ir além não apenas no conteúdo, mas também no estilo. Vimos nas ruas da semana de moda de Paris que um casaco não é só um casaco, que uma calça não é só uma calça e que, de fato, um acessório ou uma cor bem escolhidos criam uma narrativa diversa para se ir além do esperado. São detalhes enriquecedores e interferências inusitadas que tiram qualquer peça do lugar de trivialidade e transformam o visual em um verdadeiro manifesto. Pense em recortes, texturas, tons e elementos de design colocados em contextos inesperados que empurram o estilo para um nível muito mais criativo e arriscado. Observe os detalhes e se permita ir além.